quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

OS MAUS JORNAIS

Prezados amigos, Salve Maria!

Este e outros artigos que publicaremos nos próximos dias são retirados da excelente obra de Dom Félix Sardá y Salvani, Le Mal Social. Dispenso me de apresentar o autor por ser bem conhecido do público católico. A obra é bem menos conhecida, infelizmente, e ainda não existe uma versão portuguesa, eu não conheço, que merece ser lida, estudada e usada como arma em nosso combate da hora presente. Os artigos retirei da versão francesa feita pelo padre A. Thiveaud.

O artigo que segue, primeiro da série, fala sobre os maus jornais. Dom Sardá não fala da imprensa de modo geral: livros, revistas, trabalhos acadêmicos, que também abundavam em quantidade, malícia e perversidade; mas concentra toda a atenção contra os jornais, periódicos e hebdomadários. Por quê? Simples. Este tipo de jornal é popular, pequeno, de leitura rápida e fácil, próprio para atingir todas as classes da sociedade, envenenar todo o corpo social da maneira mais sutil e eficiente. Então se esforça para desmascarar este perigosíssimo inimigo, o que faz com grande competência. 

Interessante notar que o trabalho foi feito no ano de 1870, ou seja, a mais de um século. Se escrevesse no final do século XX e princípios do XXI certamente falaria do rádio, televisão, cinema e internet. Assim, podemos, durante a leitura, fazer uma analogia com os meios de comunicação modernos, mesmo os ditos católicos, e usar os mesmos critérios para distinguir as espécies de “maus jornais” que temos hoje em dia.

Ave Maria Puríssima, sem pecado concebida!

Rafael Horta


OS MAUS JORNAIS

Dom Félix Sardá y Salvani,
Le Mal Social
I

Eu creio, amigo leitor, que se Satã tivesse que se encarnar de uma forma digna de sua perversidade e de seu ódio por Deus e pelo gênero humano, teria se encarnado em um mal jornal. Percorrendo, com a imaginação, todo o mal que o inferno vomitou sobre a face da Terra desde o pecado de Adão até as blasfêmias do tempo presente, não reconheço nada mais diabólico, corrupto que um jornal ímpio. Assim igualmente o devem ter compreendido os inimigos de nossa fé e da felicidade do homem, pois que eles se colocaram imediatamente a usá-lo inundando o mundo com este funesto veneno. Este gênero abunda. Do mesmo modo que não são todos os ladrões que vão presos e, vários deles andam soltos pelas ruas e praças públicas, assim também vosso inimigo, o inimigo de vossa fé, o jornal proibido pela Igreja, mas tendes cada dia em vossas mãos outros que merecem vossa repulsa. Vou lhes falar dos maus jornais em geral. O jornal se reduz a quatro páginas, mais ou menos, bem ou mal escritos, mais ou menos bem impressos, que penetram todas as manhãs em cada lar, na oficina ou no comércio da grande maioria da população. O jornal é, pois, um hospede que admitis todos os dias em vossa casa, para viver com ele da manhã até a noite, e com o qual vossa mulher, filhos e funcionários conversam familiarmente. É a um desconhecido ao qual vós abris cada dia a porta, a fim de que, uma vez dentro, diz o que quer, ensina o que convém ou não, para instruir ou desmoralizar, sem que ninguém o impeça. Este desconhecido pode contar hoje a vossa filha uma piada (escandalosa) que arrebatará de seu coração a inocência e lhe fará corar de vergonha. Ele pode ensinar seu filho a desprezar Deus, ridicularizar o sacerdote e sacudir o jugo dos santos deveres familiares. Ele representará aos vossos funcionários, como coisa necessária, a emancipação dos operários e o extermínio dos tiranos que, como vós, tem o defeito imperdoável de ser mais rico, ou mais industrioso que ele. Ele pregará, enfim, tudo que lhe trará proveito, em verso ou prosa, em artigos inocentes ou graves, em um conto, em uma história, e mesmo nos anúncios e propagandas, pois o diabo é tão hábil que saberá tirar proveito de tudo. E vós descansareis em paz, persuadidos que procuraste para os vossos uma excelente educação, que se recita o Terço em vossa casa, que se vai a Missa nos dias de obrigação e que observam-se os preceitos do Decálogo. E vós não suspeitaríeis de onde vem em vosso filho esta febre de insubordinação, em vossa filha este desenvoltura e futilidade que a torna tão diferente da mãe? Infelizes daqueles que tem uma curta visão! Vós vigiais os companheiros de brincadeira de vossos filhos, ou a sociedade que frequenta vossa filha, mas não tomam cuidado com estas quatro páginas de papel que se introduzem cautelosamente sob vossa porta que podem ser a verdadeira causa de todos estes desgostos! Um mal jornal oferece todos estes perigos: mas como, me direis vós, uma coisa insignificante pode ser tão mal? Já ouviste falar do proverbio que diz que a gota d’água fura a pedra? Pois bem, o mal jornal é também uma gota, mas uma gota de um veneno corrosivo capaz de abrir grandes brechas nos corações mais preparados, sobretudo se não estiverem prevenidos contra ele; é uma gota, mas uma gota que cai continuamente a cada dia, a cada instante.

Meçam, pois, seus efeitos, sabendo que a constância no bem ou no mal sempre opera prodígios. E se o jornal, por mal que seja, sabe se apresentar com os atrativos e as graças de uma bela literatura, é então a gota do veneno adocicado que engolem não somente com facilidade, mas com gosto, todos aqueles que no mundo, tem o hábito de não se deixar guiar por outro critério senão o do gosto sensível. A quantidade destes é inumerável!

Somos tomados de admiração ao pensar com que facilidade se abrem as portas de uma casa honesta a este inimigo doméstico, silencioso, autor da maior parte dos desastres morais que deploramos na sociedade e na família. Fica-se justamente irritado por causa da indiferença glacial com a qual pais demais fracos veem nas mãos de seus filhos e de seus subordinados estas páginas envenenadas, nas quais se ensina o desprezo de tudo o que é mais respeitável, desde a suprema autoridade de Deus até aquela de seus mais humildes delegados sobre a terra! E independente da observação que seja feita sobre este assunto se responde com a maior tranquilidade em um tom sarcástico: “Ah! É somente um jornal! Quem fará caso de um jornal! Não seja intolerante!”
Vós sois, amigo leitor, um destes homens de vista curta de quem já ouvi esta linguagem. Tendes aberto diariamente a porta de vossa casa a alguns destes folhetos mentirosos, próprios para envenenar o coração de vossos filhos, destes filhos que quisera manter tão puros e inocentes. E não somente lhes abriste as porta, mas ainda mais, vós pagastes para que viessem exercer entre os vossos, o criminoso ofício de corruptores. Infelizes!

“Mas, me direis, anatematizando assim os maus jornais, parece lançar a excomunhão contra todos os jornais, indistintamente. Esta espécie de produções abunda; como poderei distinguir o bom daquele que é mal? Qual o sinal que poderei distinguir estes dois?” Estas questões são bem oportunas, amigo leitor. Tende um pouco de paciência que vos direi as principais características de um mal jornal contra os quais se deve precaver, como contra os demônios que vem escondidos entre estas letras.

II

Vos prometi alguns sinais que ajudarão a distinguir mais facilmente os bons dos maus jornais. É uma importante tarefa e de uma necessidade urgente, para o tempo em que vivemos, mas ao mesmo tempo, uma tarefa complicada e penível até certo ponto, segundo o ponto de vista sob o qual consideramos. Vejo alguns leitores fazer um gesto negativo, enrugar a testa e reclamar que o jornalista (ainda que bem indigno), se constitui como acusador de alguns de seus colegas, lhes denunciando à opinião pública como suspeitos e excitando contra eles a indignação de pessoas honestas.

O trabalho é terrível e, a ele somente, seria suficiente para me fazer abandonar a pluma como se ela me queimasse os dedos, pois sei que me espera a vergonhosa qualificação de delator, mas não me atingirá, nem direta nem indiretamente.

Ela não me atingirá pois não designarei as pessoas, nem mesmo os jornais. Se, por infelicidade, alguém se encontrar compreendido entre aqueles que reprovarei como detestáveis, que fique claro que não é sobre mim que deve recair a culpa. Mas dependerá deles o não cair na censura daqueles que, como eu, reprovam francamente aquilo que deve ser reprovado.
Os maus jornais se dividem em duas classes: aqueles que são abertamente maus e aqueles que o são hipocritamente. A primeira classe é pouco numerosa, e por bem dos efeitos, é menos perigosa. A segunda é mais numerosa e, em diversos pontos de vista, bem mais funesta.

Chamo de maus jornais simplesmente aqueles que, abertamente e sem máscaras, manifestam seus planos, sua intenção de combater a religião e a moral. Estes jornais, ordinariamente, negam a existência de Deus, atacam Cristo e a Igreja; em religião são, habitualmente, ateus; em moral, sensualistas; em política, demagogos; em economia, apóstolos do socialismo. O ódio a Deus e da sociedade é, ordinariamente, o motor secreto que inspiram seus artigos, que destilam o veneno; a obscenidade e o escândalo são continuamente o pasto servido a seus leitores. Não se sabe se eles corrompem os costumes para perverter a inteligência ou o contrário, se pervertem as inteligências para corromper os costumes. Assim, fazem caminhar juntos o erro e a imoralidade.
Esta categoria não inspira simpatia; sua perversidade inspira repugnância, mesmo aos mais ímpios. Aqueles que empreendem combater a religião e a moral com tais armas se mostram verdadeiros aprendizes nesta matéria; geralmente são jovens inexperientes, ou velhos com um furor cego, a ponto de lhes fazer ignorar até os pontos mais elementares de estratégia. Eles tem o costume de aparecer somente em épocas de tumultos públicos; eles não escrevem para iniciar um debate, para fornecer matéria para uma leitura calma e tranquila, mas para produzir imediatamente uma impressão profunda ou para extravagar uma cólera que a longo tempo estava reprimida. São conhecidos já pelo título, o equívoco não é possível. Sua existência é ordinariamente curta; depois de ter esvaziado o dicionário de insultos e de palavras vergonhosas, se vão como serpentes, para o antro de onde saíram, sem deixar após eles nenhum vestígio de sua passagem.

Quem não teve a dor de se encontrar com alguns destes jornais nos últimos anos? Quem não os leu com verdadeira indignação, como se o veneno que destila de suas colunas desse a morte somente pelo contato com as mãos? Entretanto, vemos circular entre nós tais monstros de perversidade, que se introduzem de preferencia na casa do pobre, porque eles sabem que há ai uma vítima menos em guarda, que alcançarão, por consequência, uma vitória mais segura.

Rasgai, rasgai, filhos do povo, a página ímpia que vos diz isto que jamais em vossa vida queríeis que fosse ouvido por vossos filhos ou vossa esposa. Rasgai o infame papel que se esforça para vos fazer feliz vos pregando o ódio como o único sentimento digno de vosso coração! Passei meu olhar com horror sobre estas produções infernais, e não pude encontrar nenhuma palavra para resumir estas abomináveis doutrinas senão estas: é a pregação do ódio. Afastar Deus, pois Ele coloca freio a minha cruel inveja; afastar a Igreja, porque Ela me fala de Deus; afastar a autoridade, porque ela me obriga a obedecer a lei; afastar os ricos, porque eu não soube ou não pude me colocar entre eles; afastar, em uma palavra, aquilo que ultrapassa em uma linha sequer, o nível dos sentimentos mais abjetos. Em tudo isso, sob o pretexto da dignidade, de emancipação social e não sei mais quantas outras coisas! E por ai pretendem elevar o povo, esclarecer, enobrecer, livrar, emancipar! Falsos apóstolos! Olhai vossa obra! Vede os povos modernos sem Deus e sem lei, devorando-se uns aos outros, no cego delírio desesperado provocado por tantos anos de leituras subversivas! E quem primeiro conseguiu atingir este objetivo é, sem dúvida, o jornalismo.
Mas o jornalismo deste tipo não é o único que merece ser assim justamente atacado; em razão de seu grande grau de perversidade, o jornalismo hipócrita incorre em uma reprovação ainda maior.

III

O mal jornal por excelência é o jornal hipócrita. Esta categoria abunda; sinal evidente que o inimigo conhece, desde longo tempo, que está ai a arma mais poderosa que se possa servir contra a verdade. O jornal ímpio é rejeitado com desprezo e indignação pelo homem que as paixões não corromperam completamente; donde resulta que, em regra geral, o jornal abertamente mal consegue com dificuldade atingir a moral e a fé sã.

Não acontece o mesmo com o jornal hipócrita. É uma cilada constantemente armada contra as pessoas de bem; são meios pérfidos, escondidos às sombras de frases moderadas, até mesmo, sob aparência de devoção e compulsão. É uma arma com silenciador que, sem nenhum barulho, acerta e mata, sem que a vítima possa se defender; e o que é ainda pior, frequentemente, sem que a vítima perceba o prejuízo que sofre. O efeito do jornal hipócrita é lento, como certos venenos que debilitam insensivelmente e pelos sintomas que causam, dão todas as aparências de uma enfermidade natural. O infeliz que, de boa fé, absorve diariamente a porção funesta que lhe é administrada cautelosamente, de seu escritório de redação, um inimigo sagaz, sente enfraquecer suas crenças; o fervor dos dias antigos lhe parece um exagero feminino; as generosas elevações da alma cristã lhe parecem grande intolerância. O infeliz não consegue ver a mão criminosa que vem apagar em seu coração todo o fogo das convicções que são a melhor herança dos avós, a fim de colocar em seu lugar certa condescendência (esta palavra está bem na moda), ou opiniões, certo justo meio, como critério excelente em todas as polemicas; certa admiração pelos direitos do livre-pensamento, que não combinam muito bem com a caridade evangélica que manda, é verdade, amar seus adversários, mas também refutar cordialmente seus perniciosos erros, de detestar e de combater estes erros sem trégua alguma.

A sociedade atual envenenada pela influencia dos jornais hipócritas, lhes deve, amigos leitores, sua decadência moral, sua falta de convicções sinceras, sua profunda indiferença por tudo não estiver em conexão com interesses materiais. Ah! Quisera o Céu que todos os jornais hostis à verdade imprimissem cada dia no cabeçalho de seus números a palavra satânica: “Guerra a Deus!” Que somente alguns tiveram a lealdade de pronunciar! Ah! Quantos espíritos, traiçoeiramente seduzidos, hoje rasgariam com horror, o artigo ímpio que devoram sem escrúpulos! Porque nossos inimigos não tem pelo mal a mesma lealdade que temos pelo bem? Por quê? Quereis saber, amigo leitor? Eu lhe mostrarei em instantes, porque o diabo, que é muito ativo, ainda que muito velho, é o melhor estrategista do mundo.

“Eu sou um homem do progresso, me dirá, de progresso em todos os sentidos, e eu não me escondo; e com vossa advertência me colocais em uma situação bem embaraçante. Se o inimigo age assim, se escorregando por todos os lugares com esta atividade e astúcia, resultará que nós, filhos do povo, deveremos usar sempre de circunspecção e jamais poderemos nos defender de um sentimento de legítima desconfiança, mesmo quando se tratar de aceitar um jornal que traga o selo da autoridade eclesiástica. Os tempos para a censura e o controle se foram!” Os jornais são escritos a todo vapor; na mesma velocidade são vendidos; os recebo na praça pública ou nos passeios; os leio com toda a presa, sem ter o tempo de procurar sérias informações. E depois, se o veneno já foi versado, e tem um gosto bem suave, quem poderá dele se preservar, pois se eu não tenho um paladar bem sensível e nem um olfato muito aguçado?
Vós quereis decididamente, ingênuo leitor, algumas regras práticas para discernir, na medida do possível, os inimigos dos amigos, neste campo de batalha da imprensa cotidiana? Com a graça de Deus serei franco e, como diz a canção: “A qui Dieu se donne, que Saint Pierre le bénisse.” 

IV

Quem é capaz de fazer a descrição de um jornal hipócrita? Quem poderá se lembrar, para apresentar uma lista, das mil e uma máscaras, disfarces ou travestimentos que se emprega a cada dia para seduzir os imprudentes e obter entre eles certo crédito de honra, certa reputação católica, que permite a este jornal de se introduzir como um amigo, lá onde precisamente deseja exercer, sobre uma maior escala, sua funesta influência? Quem poderá enumerar as fervorosas protestações de religião a toda prova, de submissão à Igreja, de respeito para com seu Chefe, que constituem, por vezes, a máscara de suas sinistras intenções? Eu quero vos descrever, leitor desejoso de ser informado, dois tipos desta família infernal. Vereis reunidos neles os traços e sinais distintivos que caracterizam todos os outros. Como em todos os ramos da indústria humana, existe ai uma distinção a estabelecer: há os jornais obscenos e os hábeis. O jornal hipócrita obsceno se reconhece a léguas; a cada passo que dá, levanta, por inadvertência, um canto qualquer de sua máscara e desvela o que está no fundo.

O jornal hipócrita hábil é mais reservado; raramente se deixa surpreender; é preciso tomar algumas precauções, observar longo tempo e com atenção, aplicar-se a estudar em todos os detalhes, para chegar a conhecê-lo através de seus disfarces.

Vede o jornal hipócrita obsceno! Ele anuncia junto de seu número as Quarenta Horas, a Corte de Maria e os santos do calendário; tem sua seção de anúncios religiosos e insere frequentemente as descrições dos exercícios mais extraordinários do culto. Este é o verniz, a máscara, o ‘hábito do monge’ que o cobre. Quereis realmente sua face verdadeira e os chifres de Satã que se esconde debaixo desta carapuça negra? Lede a pequena manchete, as correspondências, os artigos de fundo, sempre a procura de anedotas capazes de enegrecer a reputação de um ministro do altar; lede estes elogios contínuos para toda disposição legal tendente a diminuir a legítima influencia da Igreja sobre a sociedade; em todo o conflito entre a Igreja e a Revolução este jornal aprovará sempre esta última e gritará contra o excesso (esta palavra sempre é empregada) da Igreja. Advogado infatigável do casamente civil, que a Igreja condenou. Campeão decidido da iníqua desamortização que tende a aviltar a obra de Deus; inimigo furioso das Ordens Religiosas, que são as meninas dos olhos da Igreja, não há falsa novidade que não inventam, falsos escândalos que não publicam, calunias que acolhem contra eles em suas colunas imprudentes. Um destes jornais difamou um dia em sua correspondência duas ilustres comunidades de Paris. Se isto que fora dito nestas páginas imundas, fosse de mulheres ilustres e homens distintos, tivesse sido dito da mãe, da esposa, das filhas do jornalista, este teria declarado um duelo de morte ao autor de uma tão grosseira calunia. Mas como o agente do insulto era jornalista e os insultados portavam o hábito religioso, o que escreveu esta negra calúnia percorria tranquilamente e sem vergonha pelas ruas, como fazem os homens honestos. Em nome da moral universal ou revolucionária, em nome da decência pública, em nome do direito de cada um a sua reputação, eu digo hoje em alta voz, para que todos me ouçam e para tirar a ilusão de muitos leitores crédulos, as Quarentas Horas, os Santos do Calendário, a visita da Corte e os anúncios religiosos de um jornal que se conduz assim, é somente a máscara vergonhosa e dissimulada com o ódio mais feroz contra o catolicismo.

Se fosse de outro modo, que me digam franca e lealmente, pode-se ser católico e desprezar, cuspir e a todo momento ter ocasião de vilipendiar o catolicismo e lhe declarar guerra de morte? Pode-se ser católico e provocar todos os dias um assalto à Igreja de Deus? Pode-se ser católico e viver diariamente ao lado de seus inimigos nesta luta cruel que Ela agora sustenta de um extremo ao outro na Europa? Pode-se ser católico e fazer parecer ridículo a convocação do Santo Concílio (Vaticano I) antes de sua reunião, de debochar de sua suprema autoridade, e depois de reunido, declarar uma guerra sem trégua as suas decisões quando são promulgadas? Pode-se ser católico nestas condições? Isto é possível; mas este catolicismo não é o nosso, não é o do Papa, não é o de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A falta de habilidade de alguns de nossos confrades sobre este ponto particular ultrapassa os limites do credível. Na Semana Santa, para se conformar com o sentimento que domina estes dias de religião, eles entoam lamentações sobre a Morte do Salvador e consagram artigos lúgubres sobre Sua Santa Paixão, nestas mesmas colunas onde alguns dias antes tinham ultrajado a Igreja fundada ao preço do Sangue Preciosíssimo derramado por este mesmo Salvador nesta mesma Paixão. Satanás prepara suas armas a vista de tal piedade e de um fervor tão extraordinário. Desejo citar aqui uma lembrança que convém a este meu assunto como uma vela ao altar. Quando Satanás, na vida dos Padres do Deserto, se transformava em austero solitário, para seduzir estes insignes penitentes, ele o fazia acompanhado de mil prodígios maravilhosos; ele rezava com eles, e mesmo por vezes, ele misturava sua voz à suas místicas salmodias. Mas raramente estes homens de santa memória se deixavam enganar. Eles pronunciavam o nome de Jesus, e a esta poderosa invocação, Satã perdia a calma e fugia com o rabo entre as pernas, enchendo a solidão com seus terríveis gritos. Nós também, católicos do momento presente, temos uma palavra poderosa para arrancar a máscara de Satanás, que se apresenta a nós sob a capa do jornalismo católico. Joguemos-lhe em face a palavra Papa. Esta santa palavra lhe queima a pele, como a água benta. Vós o vereis entrar em furor, imediatamente perder o equilíbrio, soltar blasfêmias revolucionárias. Atingiste, então, o objetivo; Vós o descobristes; desfizeste o plano de um hipócrita vergonhosamente disfarçado.

Eis o jornalista que se fantasia habilmente.

V

Eu vos fiz conhecer as ciladas e enganações do jornalista hipocritamente mal; quantas vezes tivestes a ocasião de ter em mãos estas observações que lhes acabo de fazer sobre este assunto?

Não é ainda tudo o que eu tenho para lhes falar.

Deixemos em paz, depois de ter traçado um retrato conveniente, dos jornais hipocritamente maus. Eu quero me ocupar do jornal hipocritamente hábil. É difícil fazer um retrato dele, mesmo que se focalize bem a câmera fotográfica. Ele muda tão fácil e tão frequentemente, toma atitudes tão variadas, que não se sabe por onde o pegar. É preciso pegá-lo de surpresa e mesmo assim isso acontece raramente, porque é muito hábil. Assim, é muito difícil reproduzi-lo de maneira exata; será suficiente o poder pegar alguns traços mais claros, que servirão como sinal que permitirá reconhecê-los. Em primeiro lugar, a máscara do jornal hipócrita hábil é ordinariamente a moderação. Vede; ele é moderado, reservado e gentil, até na defesa da fé, enquanto os inimigos atacam com frenesi e furor. Em um assalto de uma fortaleza atacada, ele não se colocaria do lado dos sitiantes; não, jamais; ele se limitaria a pedir calma, moderação e a reserva dos combatentes. Nos primeiros, ele não reclamaria da crueza dos combates; não estão em seu direito e na legalidade? Mas entre os sitiados ele taxará o vigor da defesa como execrável loucura. Pouco tempo antes da última revolução, nasci uma revista na Espanha. Ela era magistralmente pensada e escrita. Águias, com olhar seguro, viram nela, através de suas habilidades, o ódio mais profundo contra o catolicismo. Eles não se enganaram; quanto estourou a Revolução, os autores destes artigos prudentes, foram os primeiros a arrancar lágrimas à Igreja da Espanha. Eles eram hipócritas hábeis. Em segundo lugar, o tipo que assinalo à vergonha e a reprovação, tem ordinariamente uma palavra doce ou amarga, que dá a chave de todas suas operações e o segredo de todos os exercícios de seu equilíbrio. Esta palavra doce, amável, cômoda, é a grande ordem do dia, a grande palavra do século, a palavra que resume todo o sistema filosófico de certas pessoas. Esta palavra não é um nome nem um verbo; é uma simples conjunção que nenhum gramático reacionário creria que um dia esta palavra teria uma importância tão grande. Esta palavra mágica é mas.

Um mas, usado com propósito e habilidade, é um admirável condimento com o qual se sai de qualquer dificuldade e que contenta todo mundo. Com ele, pode-se não como Janus, ter duas faces, mas ter cem; o que a mitologia jamais imaginou. Com um bom mas, une-se coisas de aparência perpetuamente irreconciliáveis, tais como o espírito católico e o espírito revolucionário; o amor pela Igreja e o entusiasmo por seus opressores, etc. Pode-se fazer como fizeram há algum tempo: O Papa está em seu direito de convocar o Concílio (Vaticano I), mas ele não sabe que não estamos no tempo disto; a conduta de Victor Emmanuel é indigna, mas o Non Possumus do Papa é ser cabeça dura; a Igreja foi a grande civilizadora do mundo, mas no tempo presente, não deve se opor a nova corrente de ideias; a unidade católica é um grande bem, mas não queremos por causa disso a intolerância. Quem nunca leu estas frases ou outras semelhantes? Quem não conhece um ou vários destes sábios jornais que se erigem em amáveis intermediários entre a Igreja e Satã, fazendo corte ora a um ora a outro, e lamentando-se de maneira melodramática de que, depois do desprezo que se fez de seus sábios conselhos, que resultou em prejuízo para a fé, que eles defenderiam incomparavelmente melhor do que aqueles que têm a missão de defendê-la? O que é um catolicismo com mas senão um catolicismo mutilado? O que é um catolicismo mutilado senão um catolicismo falso? Maldito mas, grande recrutador de traições e apostasias.

Em terceiro lugar, o jornal hipócrita hábil tem o costume de ter grande horror de se chamar simplesmente católico; ele a aceita com a condição que se acrescente algum qualitativo que diminua ou tempere a força e crueza desta palavra. Assim o acompanham aqueles que não se deixam chamar simplesmente católicos, mas católicos liberais, católicos esclarecidos, etc. Observai bem. Qual pode ser a causa desta persistente opinião de ter um nome distinto dos demais católicos? Como eu poderia me estender sobre esta particularidade! Só existe um catolicismo! Aquele que, fora desta divisa que diz tudo, quer se distinguir na religião, em favor de outra divisa, se tornará necessariamente suspeito de seus irmãos. Dá o direito de duvidar se tem a mesma fé que os outros aquele que recusa se chamar simplesmente pelo mesmo nome que eles. É uma grande desolação ver continuamente se apresentar a nós, envolvidos neste grupo odioso, não somente hipócritas, mas ainda suas vítimas; não somente os sedutores mas também os seduzidos. Com efeito, acontece frequentemente que a melhor boa fé, vários dos quais é impossível suspeitar da retidão das intenções, tem causa comum com os hipócritas hábeis.

Instrumentos inconscientes de uma vasta conspiração anticristã, eles dão prova, em certos momentos, de um verdadeiro amor pela santa causa que nós defendemos e guerreiam bravamente por ela. Mas também é triste e admirável os ver separados em outras correntes verdadeiramente católicas e miseravelmente misturados à multidão dos inimigos. Não é esta a história de alguns homens celebres dos quais não se sabe, de maneira precisa, se os serviços que prestaram a Igreja Católica, deram alegria ao inimigo? A boa fé poderá desculpar suas almas diante do terrível tribunal de Deus, mas não deixará de ter sido perigosa para as almas do próximo mais do que o furor dos inimigos mais acerbos. Guardai-vos de uns e de outros, ó meu povo!

Os traços que descrevi vos ajudaram a não cair na cilada. Lembrai-vos sempre, para vosso proveito e de vossos filhos, que o jornal ímpio, aquele dos hipócritas hábeis ou vergonhosos, é sempre vosso pior inimigo. É a arma privilegiada de Satanás no século presente; é o grande condutor de toda a eletricidade infernal que agita o mundo na hora presente. Que os jornais ímpios desapareçam e o mal terá perdido, por um instante, seus apóstolos mais intrépidos; a sociedade civil, seus mais poderosos agitadores, a família cristã seu carrasco que tudo faz para destruí-la. Tal é o motivo pelo qual consagrei estes parágrafos a esta importante matéria.

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